segunda-feira, 16 de abril de 2012

O Benfica precisa de uma estrutura - os últimos 30 anos

No rescaldo da vitória da Taça da Liga, defendi não ser ainda chegado o momento de se fazer uma avaliação final ao trabalho de Jorge Jesus, até porque a época não terminou. Pode-se e deve-se porém começar a preparar o caminho e a apontar soluções para que o futuro seja mais estável e sustentado do que o presente.
Os últimos 30 anos do Benfica são os piores da sua história.
Em 1982, faz amanhã 30 anos, Pinto da Costa assumiu a presidência do FCP. Os resultados são os que se conhecem. De uma posição de hegemonia no futebol português, o Benfica passou, numa primeira fase, a dividir o seu domínio com o Porto, até chegar à posição de hoje: um clube menorizado, constantemente vencido pelo seu adversário nortenho. Os períodos de crise, instabilidade e conturbação tornaram-se cada vez mais frequentes.
Entre 82 e 2012 o Benfica venceu 6 campeonatos (1982/83, 1983/84, 1986/87, 1988/89, 1990/91, 1993/94, 2004/05, 2009/10), 7 Taças de Portugal (1982/83, 1984/85, 1985/86, 1986/87, 1992/93, 1995/96, 2003/04), 3 Supertaças (1984/85, 1988/89, 2004/05) e 4 Taças da Liga (2008/09, 2009/10, 2010/11, 2011/12). Um total de 20 títulos em 30 anos. No mesmo período, o Porto venceu 18 campeonatos, 12 Taças e 17 (!) Supertaças, totalizando 47 títulos nacionais. Mais do dobro portanto. A isto acrescem duas Taças dos Campeões, duas Taças UEFA (Liga Europa), duas Taças Intercontinentais e uma Supertaça Europeia, num total de 7 títulos internacionais. Se contabilizarmos estes títulos, o Porto quase triplica o número de troféus conquistados pelo Benfica nas últimas três décadas.
Já o Sporting ganhou apenas 2 campeonatos, 4 Taças e 6 supertaças.
Ou seja, desde que Pinto da Costa é presidente do Porto, o domínio deste clube no futebol português foi avassalador, relegando o Benfica para uma posição secundária, e praticamente acabando com acabando com o estatuto de "grande" do Sporting.
Estamos perante algo nunca visto no futebol mundial.
É óbvio que muitos destes títulos portistas foram "conquistados" de forma ilegítima, ilícita, com batota e favores arbitrais. Noutros países, o Porto tê-los-ia perdido e Pinto da Costa teria sido irradiado. É sabido que muitos árbitros, desde Calheiros a Guímaro e Martins dos Santos foram corrompidos. Houve viagens pagas, subornos, "meninas", violência e intimidação. No entanto, estamos em Portugal, a justiça é o que é e a verdade é que esses títulos contam. Por outro lado, não podemos ignorar que houve trabalho, organização e mérito que contribuiram para que o Porto esteja na actual posição. Os títulos internacionais demonstram-no.
O que está então o Benfica a fazer de errado e que lições pode tirar das últimas três décadas para inverter esta tendência de declínio?
A meu ver há dois factores principais: organização e identidade.
A identidade benfiquista começou-se a diluir na época 1979/80 quando entra o primeiro jogador estrangeiro no clube. A mentalidade clubística, a chamada mística, a consciência de se pertencer a um clube especial, a um emblema cuja camisola tinha um peso e acarretava responsabilidades, sofreram o primeiro abalo. Os tempos são outros e não é hoje obviamente exequível manter uma equipa só com portugueses. No entanto, jogar sem portugueses é algo que não pode acontecer no Benfica. Diga-se aliás que Vieira prometeu há uns anos ter no Benfica a espinha dorsal da selecção nacional...
O que se passou seguidamente foi que apesar do Benfica ter bons jogadores nos anos seguintes começou a faltar alguma consistência aos plantéis. Ao lado de jogadores como Diamantino, Chalana, Bento, Rui Águas ou Veloso apareciam outros com menos qualidade. Acima de tudo faltava já a coesão interna necessária para integrar os novos jogadores no espírito benfiquista. Eram equipas heterogéneas. A geração de Humberto Coelho, Nené e Shéu chegava ao fim e a nova não tinha a mesma fibra. Começavam a entrar e sair jogadores e treinadores demasiado depressa. No Porto seguia-se o caminho inverso. Inventava-se uma identidade clubística como bandeira do Norte e criava-se um tipo de jogador à porto, com uma cultura táctica muito forte, que permitia que jogadores menos dotados se integrassem no que era já uma equipa muito coesa. Feita de combatividade e futebol defensivo mas também de alguma técnica, esta cultura portista começou a dar resultados. O complexo de vir jogar ao Sul começava a ser ultrapassado. Jogadores como Jaime Pacheco, Jaime Magalhães, João Pinto, Frasco e Inácio são os maiores expoentes deste novo Porto. Numa bola de contra-ataque Gomes fazia a diferença. Mas em breve haveria também Futre, Madjer, Juary, jogadores cuja criatividade era um bónus para o futebol sempre seguro do Porto.
Para o clube do Norte, o jogo não era para ser bonito, fazer sonhar, transmitir valores. Era para ganhar.
Pedroto e Pinto da Costa começam, a par da cultura desportiva e identidade que inventaram, a fazer uma guerrilha, oculta ou aberta conforme as ocasiões, ao Benfica, a Lisboa, ao "Sul". Não havia "princípios" nem "acordos de cavalheiros". Levam Futre ao Sporting e Rui Águas e Dito ao Benfica. Começam a pressionar árbitros e orgãos federativos. Desde a morte de Pedroto, adopta-se nas Antas uma atitude clara de intimidação e coacção. Do medo futebolístico portista de jogar no Sul passa-se ao medo físico dos restantes clubes (e árbitros) em ir às Antas. Os dirigentes do Benfica não prestaram a devida atenção ao que se estava a passar e quando acordaram já era tarde.
As vitórias dão cada vez mais moral ao Porto. A cidade aglutina-se à volta do clube, o poder cresce nas estruturas do futebol. É a época dos "três pintos". O projecto de poder de Pinto da Costa é estruturado e ambicioso. Também na imprensa há cada vez mais portistas, mais aguerridos, mais militantes e mais subtis do que a clássica imprensa desportiva, maioritariamente afecta ao Benfica. O Benfica perde cada vez mais a sua identidade, definha. Quando chegamos ao fim da década de 80, o equilíbrio de forças no futebol português já foi invertido. O Benfica de João Santos e Gaspar Ramos, que atinge duas finais europeias, ainda consegue dois campeonatos (um deles conquistado nas Antas, sob um clima de terror e violência liderado pelo "guarda Abel") e uma Taça mas os efeitos do ciclo vencedor portista não se tardariam a fazer sentir.

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